Lylian Pacheco é Cientista Social e sua monografia, orientada por Flavia Mateus Rios, foi publicada em 2019 na Universidade Federal Fluminense, Niterói, curso de graduação em Ciências Sociais.
NOTA: Nesta live, em específico, algumas perguntas foram feitas fora do roteiro e, com a intenção de que pessoas surdas possam também ter acesso à discussão em questão, optamos por fazer um breve resumo do que foi tratado para além das perguntas que seguem abaixo. Em um primeiro momento comentou-se sobre o quão interessante é a dimensão que o trabalho da Lylian traz, de refletir sobre e dialogar com autores que compõem uma área de estudo pouco falada, que são os estudos sobre cabelo. E junto à isso, como é relevante pensar que para além do âmbito estético e da necessidade de reconhecer-se em determinada textura/corte, o cabelo acaba por desempenhar – considerando o contexto brasileiro – a função de classificação racial , ou seja, “a identificação racial de uma pessoa se dá a partir de seu fenótipo, como por exemplo a cor da sua pele e a textura do seu cabelo” (PACHECO, 2019). Outro ponto levantado pelas debatedoras foi sobre a noção de que há um ideal de beleza branco superestimado socialmente, que aproxima (mais próxima do que é tido como belo) ou distância (mais próxima do que é tido como feio) os indivíduos, mediante a ausência ou presença de fenótipos negros. O que acaba por oprimir e afetar a autoestima de quem não se encaixa nesse padrão, e nos faz refletir sobre a necessidade de ressignificar o que é belo. E é nesse sentido que percebemos a potência que é o trabalho produzido pela Lylian, uma vez a autora mostra que está havendo uma transformação social - observada pela grande adesão da transição capilar -, a partir da própria sociedade e por influência do movimento negro e das influencers, de tornar o que era tido como feio em belo. Assim, podemos dizer que o movimento de transição capilar possibilita a construção de um processo de ressignificação da beleza negra na sociedade brasileira. Referência: PACHECO, Lylian Cristine Santos. Do estético ao político: uma análise da transição capilar como expressão de Mudança cultural no brasil. 2019. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Ciências Sociais) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2019. DESESTRUTURA: A qual pergunta a pesquisa responde? LYLIAN PACHECO: Na minha monografia eu procurei compreender as transformações que possibilitaram a popularização do processo de transição capilar e entender o papel do mercado e das redes sociais nesse processo. DES: Por quê você se interessou por esse tema? Lylian: Em 2016 eu iniciei o processo da transição capilar, e a partir daí passei a participar de grupos em redes sociais voltados para pessoas que estivessem passando por esse processo, além de acompanhar os canais no YouTube de meninas que falavam de cuidados com o cabelo crespo e chacheado. Dentro desses grupos vi diversos relatos de pessoas que passaram ou que ainda estavam passando pela transição capilar, sobre como isso afetava suas vidas pessoais, sobre as dificuldades enfrentadas e também sobre suas motivações. Fui percebendo como, com o passar dos anos, esses grupos e canais se tornavam cada vez mais populares. Nesse momento também comecei a buscar produtos específicos para os cuidados dos cabelos cacheados, e percebi, para a minha surpresa, que muitas das marcas que consumia quando alisava os cabelos agora contavam com diversas linhas específicas para a transição capilar e para cabelos cacheados e crespos. A partir daí, veio meu interesse em compreender como se deu essa transformação que permitiu essa popularização desse movimento da volta aos cabelos naturais, e o papel do mercado nesse movimento. DES: Como a questão da desigualdade é tratada no seu trabalho? Lylian: Acredito que uma forma interessante de perceber a desigualdade na questão da transição capilar, que apareceu para mim durante minha pesquisa, seria na análise da preocupação das meninas crespas, cacheadas, com tranças e com dreads, com entrevistas de emprego. Entender o porquê dessas meninas acharem que terão menos chances de serem contratadas com os cabelos em sua textura natural, ou serem encorajadas por terceiros a alisarem seus cabelos na tentativa de deixá-los com uma aparência mais “profissional” denuncia um imaginário de que o cabelo crespo e cacheado não é profissional. Que esses corpos não são bem-vindos nesses espaços. Vemos muitos relatos de mulheres que passaram a alisar os cabelos por empregos, para a ascensão econômica e social. DES: Faça um resumo da sua pesquisa. Lylian: Para compreender como se deu essa popularização da transição capilar procurei analisar, em um primeiro momento, a importância e o significado do cabelo. Aqui recorri a autores como Oracy Nogueira, que me deram ferramentas e conceitos como “Preconceito Racial de Marca”, onde pude identificar o cabelo como um dos fatores decisivos para a classificação racial no contexto brasileiro. A partir daí, consegui compreender o que teria levado essas mulheres, que agora passam pelo processo da Transição Capilar, a optar pelos alisamentos em um primeiro momento. Identifiquei três fases distintas do mercado de produtos específicos para o cabelo crespo e cacheado: alisamentos, relaxamentos/ permanentes e produtos para a manutenção do cabelo em sua textura natural. Ainda com o esforço de compreender a transformação dentro do mercado de produtos de cabelo, analisei três marcas de produtos de cabelo (Niely, Salon Line e Embelleze), e suas linhas e publicidades antigas e atuais. Por fim, divulguei um questionário acerca das questões da Transição Capilar em um grupo da rede social Facebook, Transição Capilar Voltando ao Natural, como esforço de compreender suas dificuldades e seus pensamentos durante e pós-Transição. Apresento também algumas postagens feitas nesse mesmo grupo, afim de ilustrar o compartilhamento de experiências, apoio e aprendizado que acontece dentro dessas comunidades virtuais. DES: Quais foram as conclusões? Lylian: Que uma mudança cultural foi necessária para que acontecesse uma mudança dentro do mercado e, que esse movimento se dá de forma interdependente e interconectada, onde sabe-se sua origem (dentro dos Movimentos Negros), porém, uma vez que é popularizado com as redes sociais e capturado pelo mercado, cada fase desse processo alimenta a outra. Ou seja, muitas mulheres se interessam pela transição capilar através das redes sociais e das influenciadoras e passam a consumir mais produtos específicos para seus cabelos. Muitas dessas influenciadoras produzem conteúdo baseado em questões raciais que apresentam a essa pessoa pautas do Movimento Negro, por exemplo. Além disso, por se tratar de uma monografia feita predominantemente em meios virtuais e em específico sobre a Transição Capilar, meu alcance foi, em sua maioria, de mulheres jovens. Acredito que para alcançar homens a metodologia deveria ser diferente, uma vez que o assunto cabelo ou o a forma como se foi “esperado” a manutenção dos seus cabelos seja distinta das mulheres. Pontuo que isso não significa que homens não passem pela transição capilar, uma vez que no grupo de rede social abordado há a presença de homens. Porém, não são sua maioria e não responderam o questionário compartilhado. Quantos às mulheres mais velhas, entendo que outra metodologia também seja necessária para seu alcance. Acredito que uma pesquisa acerca de como esse processo ocorre em outras gerações seja extremamente interessante, uma vez que os processos considerados facilitadores para a decisão da transição capilar (identificados aqui como redes sociais e maior oferta de produtos específicos para sua textura de cabelo) ocorreram em outro momento de suas vidas, e possivelmente não foram os mesmos motivos que as impulsionaram a passar pelo processo. DES: Quais foram suas principais dificuldades na escrita e no desenvolvimento da pesquisa? Lylian: Em primeiro lugar, o tempo disponível. Quanto mais eu me aprofundava no tema, mais surgiam questões que gostaria de me debruçar e desenvolver mais profundamente. Acredito que isso se dê pelas diversas facetas e nuances que perpassam o tema, tal como a sua relação com o mercado. Outra dificuldade que encontrei foi a adequação a uma metodologia para uma pesquisa predominantemente virtual. Acredito que essas e as demais dificuldades que encontrei durante a escrita desta monografia demonstraram a importância da orientação nesse processo. Tenho muito a agradecer a minha orientadora, Flavia Rios, pela ajuda e paciência durante toda a pesquisa. DES: Quais problemas sociais você considera fundamentais de serem discutidos para uma reflexão sobre o tema da desigualdade? Lylian: Acredito que o racismo é algo que a minha monografia trata em sua integridade. Identifico todo o ódio ao cabelo crespo e cacheado exatamente por sua ligação ao fenótipo negro e a identidade negra. Em uma sociedade como a brasileira onde o racismo é estrutural, e se renova e se reforça em suas estruturas, é imprescindível discutir e identificar esses mecanismos que garantem as desigualdades afim de criar novos mecanismos para combatê-los. Em um recorte ao meu tema em específico, acredito ser um dos problemas a falta de representatividade de pessoas negras, não só de pele clara e cabelos cacheados, mas também de cabelos crespos e pele escura, em espaços profissionais e em posições relacionadas a “beleza”, em um esforço ativo de associar o fenótipo negro como relacionado ao “feio e sujo” do imaginário social, o que faz parte desses mecanismos estruturantes de manutenção de desigualdades. Em especial por parte das crianças, que por terem suas belezas questionadas e não verem seus similares em posições de beleza e exaltação, criam desafetos pelo que é criticado nelas. A representatividade não é a solução de todos os problemas relacionados ao racismo, uma vez que é um problema estrutural que está enraizado nas instituições e sendo reproduzido pelas mesmas. Mas acredito que esse movimento seja importante no que diz respeito a devolução da autoestima negra, que foi afetada e atingida durante anos. A Ressignificação da beleza negra e do cabelo como símbolo de resistência é algo a celebrar. DES: Como você vê o impacto das políticas sociais nas questões tratadas no seu TCC? Lylian: Durante a minha pesquisa, mais precisamente pelo questionário divulgado, tive a informação de que 62,2% das pessoas que responderam o questionário tiveram algum contato com o ensino superior (ensino superior e pós graduação, completos ou incompletos). Acredito que esse contato com o meio acadêmico amplie o contato das pessoas com debates em torno de questões raciais, e questões como a quebra de padrão estético, que as levam a refletir sobre o que as teria levado a alisar os cabelos, e incentivá-las a voltar à sua textura natural. As ações afirmativas seriam uma forma de facilitar o acesso a esses espaços acadêmicos onde estariam acontecendo esses debates e, consequentemente, o incentivo a quebra do padrão de beleza e a volta ao cabelo natural. Pontuo aqui que essa ligação é uma hipótese, uma vez que não me aprofundei nessa questão, nem foi uma pergunta diretamente feita através do questionário disponibilizado. DES: Quais recortes, como gênero e raça, você considera importantes na análise da desigualdade brasileira? Lylian: Acredito que os recortes gênero, classe e raça são importantes de serem considerados ao analisar a desigualdade no contexto brasileiro. Porém, acredito ser necessário considerá-los como conjuntos e não como agentes independentes, uma vez que cada um tem influência direta no campo do outro, conversando e complementando-se. DES: Quais teóricos você usou para fundamentar seu trabalho e você acha que devem ser relidos para discutir o enfrentamento das desigualdades sociais? Lylian: Identifico Ângela Figueiredo, Oracy Nogueira e Nilma Lino Gomes como os principais teóricos utilizados na minha monografia. O conceito Preconceito Racial de Marca, de Oracy Nogueira, foi algo como um ponto de partida para a compreensão do cabelo como um dos fatores para a classificação racial. Já os trabalhos de Nilma Lino Gomes e Ângela Figueiredo foram de extrema importância para a compreensão do cabelo e como símbolo de identidade racial. Acredito serem de extrema relevância para a discussão das desigualdades sociais. DES: Na sua opinião, qual a relevância de realizar pesquisas sobre desigualdades no Brasil? Como você avalia o cenário para desenvolvimentos de pesquisa hoje no Brasil? Lylian: Não há como combater o que não conhecemos, e por isso é imprescindível o estudo das desigualdades no Brasil. É necessário compreender como se dão os mecanismos que garantem as desigualdades, para possibilitar a criação de mecanismos de efetivação da igualdade. Quanto ao cenário para desenvolvimentos de pesquisa, infelizmente não o identifico como positivo. Em um momento como o atual onde vemos a necessidade e a importância da pesquisa, vemos também um aumento de cortes de bolsas. A pesquisa não é garantida apenas com a vaga na universidade, é necessário ao pesquisador a segurança de que poderá se sustentar e sustentar sua família. Principalmente na área das ciências sociais, há uma desvalorização da pesquisa, onde o pesquisador tem que a todo momento defender a importância do seu trabalho, além de produzir uma pesquisa de qualidade.
0 Comentários
Enviar uma resposta. |
|